Diga-me como me medes e te direi como me comportarei
SANTOS (CSO): Fala pessoal!
Tudo bem?
Hoje o José vai participar da reunião com a gente.
Para quem não conhece, ele é o assistente pessoal do Alex.
José, tudo o que conversarmos aqui é confidencial, OK?
Você não deve dizer nem pro Alex.
Posso confiar em você?
JOSÉ: Mas Seu Santos, ele é meu chefe e dono da empresa.
SANTOS (CSO): Sim, José, mas para a empresa funcionar, nós temos que fazer certas coisas e o Alex não precisa saber todos os detalhes. Ele confia em mim e tem muita coisa na cabeça.
Além do mais, não estamos enganando o Alex, ele já foi diretor comercial, sabe como funciona e tudo o que acontece aqui.
Então? Tenho a sua palavra que você não vai comentar nada sobre essa reunião?
JOSÉ: Se é assim, então o senhor tem a minha palavra.
Santos fez José assumir o compromisso publicamente de não contar nada porque sabe que o José dá muito valor à palavra.
SANTOS (CSO): Pessoal, antes de começar a reunião de forecast eu queria atualizá-los.
A reunião com os gringos foi um sucesso! Eles vão investir em nossa empresa, por isso, queria agradecer por terem dado aquela inflada nas oportunidades.
A nossa previsão de vendas foi importante na decisão dos compradores. Obrigado e parabéns a todos!
Agora…
Tem um ponto que eu preciso comentar. Eles incluíram uma cláusula no contrato que impõe que, se não cumprirmos pelo menos 80% da previsão de vendas, eles retiram o investimento.
Então, vamos ter que cumprir de qualquer jeito!
VENDEDOR 1: Mas isso significa quase 40% a mais do nosso target!!! E isso que a nossa cota já era de crescimento.
SANTOS (CSO): Eu sei e você tem razão. Mas eu já estou trabalhando nisso. Agora com a entrada dos investidores, nós de vendas seremos medidos somente por vendas e o Alex, mesmo sendo o dono, vai ser medido pelo conselho por EBITDA.
Então eu tive uma ideia, vamos poder dar condições especiais de pagamento, porque os juros vão abaixo do EBITDA e não nos prejudica, nem prejudica ao Alex. Depois eu vou alinhar isso com ele.
VENDEDOR 2: O Alex sabe que inflamos a pipeline?
SANTOS (CSO): Não! A filosofia da empresa é que cada diretor tem que administrar o seu negócio como se fosse seu, então eu fiz o que tinha que ser feito.
Se você não pode vender resultado de hoje, venda expectativa de futuro!
VENDEDOR 3: Mas isso me matou Santos. Esse ano eu não vou cobrar bônus. Nos dois últimos anos eu alcancei 130% e 145% da meta, e como os crescimentos do ano seguinte são sempre em cima dos resultados alcançados, se somarmos esse aumento dos gringos, a minha meta passou a ser quase 4x a que eu tinha há dois anos. É impossível!
SANTOS (CSO): Pode ser que esse aumento dos gringos tenha complicado um pouco as coisas, mas complicou para todo mundo, não foi só para você.
De toda forma, vou revisar os números e se eu vir alguma injustiça muito grande, eu ajusto.
Agora vamos revisar as oportunidades porque eu tenho que apresentar o forecast ainda esta semana.
José estava sentado ao lado de Janaína e, à medida que ela colocava em uma planilha os valores que cada vendedor dizia que iria fechar aquele mês, a planilha calculava um valor diferente, que não coincidia com a soma das oportunidades daquele vendedor.
Ao terminar a reunião, José procurou Santos.
JOSÉ: Sr. Santos! O senhor tem um minutinho?
SANTOS (CSO): Tenho sim. Pode falar.
JOSÉ: O senhor me desculpa me intrometer, mas acho que tem um erro na planilha da Janaína. As somas não estão corretas.
SANTOS (CSO): Impossível José. Eu e a Janaína desenvolvemos essa planilha há muitos anos e vamos aprimorando ano a ano.
Sabe José, a parte mais importante do meu cargo é a previsibilidade. Quando eu dou um forecast eu cumpro (a qualquer preço). Isso me dá credibilidade e tudo isso graças a essa planilha.
A Janaína é mais importante que os vendedores.
JOSÉ: Seu Santos, o senhor vai me desculpar, mas quando um vendedor dizia que ia fechar a oportunidade A, B e C, e a soma das 3 dava 500 mil, a planilha colocava 420. E tinha outro vendedor que dizia que ia vender 700 e a planilha colocava 800. Tá errado!
Santos dá uma gargalhada bem alta!
SANTOS (CSO): Ah! É isso? Não se preocupe, está certo sim.
Sabe José, isso faz parte da minha inteligência de negócio e da equipe. Tem vendedor que é otimista, mas não costuma cumprir o forecast, tem outros que guardam coisas na manga para não se comprometerem com números mais agressivos, mas no final sempre cumprem. Então, como eu e a Janaína conhecemos bem cada um, colocamos um fator de correção sobre o forecast de todos. Entendeu?
JOSÉ: Acho estranho, mas entendi sim senhor. Eu acho que seria melhor que, ao invés do senhor e a Janaína inventarem uma fórmula para traduzir o que os vendedores querem dizer, que ôceis ajudem os vendedor a fazer as previsão corretamente, não seria?
SANTOS (CSO): Em teoria sim, mas, se eles aprenderem a fazer as previsões corretamente, a inteligência do negócio estará com eles e não comigo. Aí, qualquer diretor comercial serve. Da forma que está hoje, não vale nenhum diretor comercial, tem que ser eu.
E de resto? O que achou da reunião?
JOSÉ: Eu fiquei com uma dúvida. O vendedor 3 disse que ele bateu a meta e, como todo ano ceis têm que crescer, a cota dele aumenta a cada ano. E quem não bate a meta acaba tendo uma cota menor, porque ela é calculada sobre o resultado do ano anterior.
SANTOS (CSO): Mais ou menos. Quem não bate a meta, não fica para o próximo ano. Mas a vezes temos exceções.
JOSÉ: É assim que vocês incentiva o vendedor que faz um bom trabalho? Quem bate a meta tem cota maior, quem não bate tem cota menor. Mundo doido esse d’oceis .
Outra coisa, esse negócio que o senhor falou aí de baixar preços, aumentar a forma de pagamento, pra poder cumprir as metas de vendas, não prejudica a empresa?
SANTOS (CSO): Eu sou pago para vender José. A parte financeira é com Fábio. Ele que se vire. Mas como eu comentei, os juros vão depois do EBITDA, e isso não prejudica.
Sobre os descontos, sim, impactam um pouco a rentabilidade, mas pelo menos mantemos as vendas e a roda continua girando.
Se o lucro baixar, ano que vem a gente reestrutura, corta custo, como todos os anos, e vida que segue. Pelo menos, eu garanto mais um ano meu cargo e da minha equipe.
E agora, com a chegada dos gringos, eu tenho que bater a meta sim ou sim, porque eu quero chegar a VP de vendas do grupo ou até quem sabe ocupar o lugar do Alex se ele for para outro cargo…
JOSÉ: Entendi. Até logo, Seu Santos.
José sai pensativo, refletindo sobre o que viu hoje…
Os vendedores mentem pro senhor Santos e ele sabe disso.
O senhor Santos mente pro senhor Alex e ele sabe disso.
Quem bate a meta, tem cota maior no próximo ano.
Quem não bate a meta, tem cota menor no próximo ano.
O senhor Santos vende mais barato para bater sua meta, mesmo sabendo que isso vai significar que muita gente vai perder o emprego ano que vem. Mas ele pensa de verdade que isso é o melhor para a empresa.
Enfim, eu não consigo entender a lógica desse mundo corporativo…
Mas tem uma coisa que ficou clara para mim.
Diga-me como me medes e eu te direi como me comportarei! *
* Frase de Eliyahu M. Goldratt no livro A meta
Imagens: BE&SK