Este artigo foi publicado no dia 05/10/2020 na minha coluna no Portal Batalha das STARTUPS
A exigência pelo crescimento é grande e desde que se cumpra a lei, vale tudo para crescer, até fechar os olhos para barbaridades.
Esta semana assisti uma palestra extremamente interessante sobre o agronegócio e a importância deste setor para a economia do país.
A palestra foi proferida por uma pessoa que tenho profunda admiração como profissional e ser humano.
A palestra se desenvolveu de forma brilhante, baseada em dados confiáveis, conhecimento e experiências de décadas no setor.
Não é nenhuma novidade, sabemos que nosso maior cliente de produtos agropecuários é a China, e de repente veio a frase que ficou retumbando em minha cabeça durante toda a semana…
“Não estou de acordo com o sistema político da China, mas negócio é negócio.”
Eu entendi perfeitamente o contexto, os motivos e as justificativas de tal frase.
Acredito que este tipo de raciocínio que nos foi ensinado nas últimas décadas, foi o que nos trouxe até aqui como sociedade.
Não estou apontando o dedo e em absoluto assumo uma atitude condenatória, simplesmente sinalizando algo que todos executivos formados nas últimas décadas aprendemos, e eu me incluo nisso.
Esta forma de pensar e atuar está baseado na frase escrita pelo poeta romano Ovídio, em sua obra Heroides, há mais de 2.000 anos:
“Os fins justificam os meios”
Este conceito, que a simples vista parece razoável e aceitável quando se coloca a favor lado do coletivo, ao ser aplicado a favor do individual é terrível.
O primeiro princípio da Tecno-Humanização diz que:
Todo modelo com o tempo, se deteriora, e se distancia de sua finalidade inicial.
E vemos claramente isso na obra O Príncipe de Maquiavel, onde, embora não cita a frase de Ovídio, aplica o conceito quando afirma que o governante deve agir de forma ética sempre que possível, porém, caso necessário e a razão de motivos de Estado, façam o uso de recursos injustos para manter o poder.
Quantas empresas não tem aplicado o mesmo conceito nas últimas décadas?
Quantos vezes executivos aplicam este conceito tomando decisões consideradas necessárias para sua empresa sabendo que contribuem para desigualdade e miséria, e depois, para dormir melhor, as maquiam como um mal necessário para um bem maior?
Vender a um cliente (país) que priva de liberdade seu povo, oferece em muitos casos (não em todos), condições laborais e humanas inferiores as que o executivo aceitaria para seu pior inimigo.
Mas tudo isso não é problema do executivo, ele é pago para vender.
Além do mais, ele faz isso para dar trabalho a muitas pessoas, ele gera renda, ele paga imposto, então, está tudo certo.
É isso mesmo?
Esta é a fórmula para o crescimento econômico que utilizamos nas últimas décadas e funcionou. O problema é que o objetivo não deveria ser o crescimento e sim o desenvolvimento, como mostro em meu artigo Crescimento vs. Desenvolvimento: Digitalizar o jogo acelera o colapso.
Todo mundo clama por um mundo melhor ao mesmo tempo que diz fazer tudo que está em suas mãos para que ele o seja.
Mas é este o caminho a seguir?
Outra coisa que me assombra, é que para atender a todas as exigências e poder vender a este tipo de cliente é preciso alcançar um alto nível de excelência muito grande, tanto tecnológica como de gestão.
Cuidar da parte tecnológica, operacional e de pessoas.
Buscando na cadeia produtiva do agronegócio, é fácil encontrar empresas com as mais diversas e renomadas certificações, ISO, GPTW, etc., e para finalizar a limpeza de consciência, uma forte governança.
Mas se depois, de todo o esforço para fazer tudo certo dentro de casa, eu deixo que os cifrões tapem meus olhos para o que acontece ao outro lado da barreira, realmente faz sentido ter a parede cheia de certificações?
Será que não chegou a hora de mudar a forma de atuar?
O conceito de Negócios são negócios, misérias a parte, já não deveria ter espaço.
Foi ele o direto responsável pela sociedade doente que temos hoje.
Chegou o momento de aprender a criar riqueza sem gerar miséria.