Comprometimento não se compra, se constrói

Este artigo foi publicado no dia 17/09/2019 no Portal Batalha das STARTUPS e no dia 19/09/2019 no ITforum365

Quando o senso de dono é um objetivo e se tenta comprar comprometimento com dinheiro, o resultado a médio prazo costuma ser negativo

Nos últimos anos, muito tem se falado de senso de dono, especialistas em recursos humanos colocando o senso de dono como objetivo a ser perseguido pelas organizações.

Embora tenha vindo com uma nova roupagem este conceito não é novo, há muitos anos é conhecido como “vestir a camisa da empresa”.

Nos casos onde os colaboradores trabalhassem como “se fossem donos”, realmente “vestissem a camisa”, se conseguia um rendimento da equipe muito acima da media.

Nos anos 90, quando as empresas perceberam isso passaram a buscar este comprometimento como forma de melhorar seus resultados.

Estudaram os motivos que levavam a um colaborador a se comprometer e propiciavam todas as condições que isso acontecesse.

E quais eram estes motivos?

Estabilidade, dinheiro e ambição.

Isso era simples de resolver.

Bastava dizer, se o colaborador trabalhar muito, se comprometer realmente com a empresa, terá seu emprego “garantido”, ganhará mais em função da sua produtividade e poderá crescer na empresa.

O problema é que as empresas, nesta época, esqueceram de um pequeno detalhe.

Comprometimento é o ato de comprometer-se com alguém ou com alguma causa.

A palavra tem origem no termo em latim compromissus que significa fazer uma promessa recíproca.

Isto implica que a empresa deveria cumprir sua parte do trato…

Com o crescimento da informática e da automatização industrial, as empresas, em busca de otimização, despediram muita gente (não cumpriram com a estabilidade), pagaram mais somente à alguns colaboradores (não cumpriram a parte do dinheiro) e não promoveram a todo mundo (a ascensão nas empresas era uma pirâmide e não há espaço para todos no topo).

Mesmo sem cumprir com seus compromissos, a empresa insistia em seu discurso usando como exemplo as exceções, os poucos que conseguiam ganhar mais e subir de cargo, e lhes usavam como regra.

Porém, era um preço muito alto a ser pago pela empresa, para cada um que conseguia crescer, havia dezenas ou centenas de pessoas que se frustravam por não ter conseguido.

Neste momento, a estratégia era aumentar a aposta por parte da empresa para seguir com o modelo que tantos benefícios a trouxe.

Era o momento de dizer que: “Se você não conseguiu a promoção, se não ganhou mais dinheiro, é porque não se esforçou o suficiente…”

Muitas empresas passaram do “te pago uma remuneração pelo seu trabalho”  à  “te pago um salário e você me deve a sua alma” e viraram uma máquina de moer carne, de um lado entravam pessoas e pelo outro saiam, uma minoria feliz, porém a imensa maioria se dividia entre frustrados, resignados e doentes.

Ainda nos anos 90 surgiram os workaholics, pessoas que ficaram viciadas no trabalho, que antepunham o trabalho a qualquer outro âmbito da vida, e nesta década os depressivos e ansiosos.

O número chegou a ser tão alarmante que a França decidiu dar um basta a esta escravidão do conectado a qualquer hora em qualquer parte, e em 2017, criou uma lei que obriga as empresas de mais de 50 funcionários negociarem e elaborarem um código de conduta onde se define o horário que fica proibido enviar e receber e-mail, normalmente a noite e finais de semana.

Recentemente, no auge da política fazer mais com menos, o discurso de vestir a camisa voltou, porém com uma nova roupagem, travestido de senso de dono.

As circunstâncias mudaram, no mundo das startups vem acompanhado de, “se nos matarmos de trabalhar podemos virar um unicórnio” – tão possível quanto improvável – e nas empresas tradicionais também mudou, “ou me mato de trabalhar e faço o trabalho de três pessoas ou sou o próximo da lista”.

Eu acredito no trabalho duro, no esforço, na dedicação, porém também acredito que o trabalho deve ser muito mais que um meio de subsistência.

Vamos analisar o conceito de senso de dono desde o ponto de vista da Tecno-Humanização.

Utilizar o senso de dono como ferramenta para alcançar o objetivo de aumento de produtividade é perigoso, por vários motivos.

O primeiro, quando se pede (ou se exige) senso de dono por parte dos gestores e executivos, pode se produzir o surgimento de reino de taifas na empresa, a criação de pequenas facções onde cada executivo olha somente para o seu negócio e da mais importância para a sua parcela que para o todo.

Vou citar apenas um exemplo dos muitos que vivi em minha vida profissional.

Final de ano fiscal, a empresa precisava alcançar os objetivos, o diretor comercial (eu) tinha uma pressão enorme para bater as metas da empresa, disso dependia a continuidade de muita gente na empresa, inclusive a sua.

Fecha-se um grande projeto, é preciso entrega-lo para que se possa faturar e contar para os resultados da empresa.

O fornecedor não entrega os equipamentos porque tem débitos pendentes.

Sabem porque o fornecedor não recebeu seu pagamento?

Porque o diretor financeiro tem objetivos de cash flow, e como é “dono de seu negócio”, reteve os pagamentos.

É sua função velar para que finanças bata suas metas, o pequeno detalhe é que isso faz com que o diretor comercial (e a empresa) não bata a sua.

Este tipo de coisas gera enorme desgastes nas organizações, conflitos de interesses porque tem muitos “donos” de parcelas e poucos (ou nenhum) donos completos.

E já se sabe, cachorro com dois donos morre de fome…

E-mails, ligações, reuniões, escalações, para se chegar a um consenso, enquanto isso, o mercado lá fora correndo solto…

Outro ponto negativo do enfoque a que se da ao senso de dono é que muitas empresas tentam compra-lo.

E a moeda de troca já não é mais o dinheiro, não se consegue comprometimento nem engajamento (palavra mais adequada para os dias de hoje), com o talão de cheque nem com o chicote.

Para atrair e reter talento, para conseguir engajamento é necessário ter um propósito.

Um dos direcionadores mandatório da Tecno-Humanização no nível organizacional é Propósito.

Porém é muito importante entender que o propósito não é definido por uma agência de marketing, como acabou acontecendo com a missão, visão e valores no passado.

Não se trata de uma declaração de boas intenções se não de uma razão de existir real empresa, algo que está dentro dela e deve ser minerado.

Outro ponto importante é que não basta descobrir o propósito da empresa, é necessário conseguir o engajamento de todos os stakeholders a ele.

Para isso não basta um quadro na recepção, uma apresentação do presidente e um e-mail a todos os colaboradores, isso deve ser feito com algumas macro-ações e muitas micro-ações.

A Tecno-Humanização desenvolve este direcionador com muita diligência que se merece, com ferramenta e metodologia específica tratada por especialista. (em breve escreverei um artigo sobre propósito)

Ao final o senso de dono é bom ou não?

A Tecno-Humanização acredita que sim, porém o senso de dono deve ser por engajamento ao propósito e não pelo talão de cheque, coletivo e não individual, isso sim aumenta a produtividade e os resultados.

É fundamental que as empresas entendam que…

Comprometimento não se compra, se constrói.

Imagens: Pixabay

Compartilhar: